INTRODUÇÃO
Até o início do século XIX, pensava-se que os fenômenos elétricos e magnéticos fossem completamente distintos, ou seja, havia a ciência do magnetismo, cujo grande marco fora o livro “De Magnete”, de William Gilbert (ano de 1600), e a ciência da eletricidade. Esta última se encontrava num estágio mais avançado, pois alguns princípios da eletrostática já eram conhecidos. Até 1820, tudo que se sabia sobre o magnetismo era o comportamento estranho dos materiais magnéticos e o magnetismo da Terra refletindo-se na orientação das bússolas.
Evidências de que os dois fenômenos tivessem alguma relação eram praticamente inexistentes. Sabia-se, por exemplo, que relâmpagos provocavam alterações no funcionamento das bússolas. No entanto, isso não era suficiente para se estabelecer uma relação segura entre os fenômenos elétricos e magnéticos. A partir dos trabalhos de Oersted e de Ampère, tudo isso mudou.
A partir daí, ocorreu uma unificação das duas ciências. O eletromagnetismo passou a ser a ciência dos fenômenos elétricos e magnéticos, pois, como sabemos, eles estão inter-relacionados.
Neste capitulo, veremos que o resultado das experiências de Oersted e de Ampère pode ser traduzido de uma forma simples afirmando que conquanto uma carga elétrica em repouso produz apenas um tipo de campo, uma carga elétrica em movimento produz dois tipos de campos: O potencial escalar, V, e o potencial vetor . Claro que a partir deles podemos determinar o campo elétrico e o campo magnético produzido por cargas elétricas em movimento.
Com essas experiências podemos concluir que a eletricidade e o magnetismo estão interligados. Eles são as duas faces da mesma moeda.
AS DESCOBERTAS DE OERSTED E DE AMPÈRE
Com essa experiência pioneira ficava estabelecida, pela primeira vez, uma relação entre os fenômenos elétricos e magnéticos, pois se verifica que a mera passagem da corrente elétrica por um fio é suficiente para produzir um campo magnético ao qual a bússola fica sujeita e que a impele a se movimentar.
Figura 1. Hans Christian Oersted.
Figura 2. A experiência pioneira de Oersted
Tendo tomado conhecimento da descoberta de Oersted, André-Marie Ampère decidiu realizar experiências envolvendo as consequências da passagem da corrente elétrica por fios dispostos paralelamente um em relação ao outro. Verificou, experimentalmente, que os fios sofriam a ação de forças. Verificou que essas forças têm duas características interessantes.
Figura 3. André-Marie Ampère, físico francês.
Se as correntes tiverem o mesmo sentido, os fios experimentam uma força de atração. No entanto, eles se repelem se as correntes tiverem sentidos opostos (vide figura 4).
Dentre outras características, a força tem uma intensidade (ou módulo) que é diretamente proporcional à intensidade das correntes. Ademais, a intensidade da força varia com o inverso do quadrado da distância entre os fios. Portanto, um afastamento produz uma força mais débil e o contrário ocorre quando aproximamos os fios. Esse resultado pode ser resumido, para fios paralelos, pela expressão:
(1)
onde k é uma constante (que depende do comprimento dos fios e, em geral, das suas orientações relativas) R é a distância entre os fios e são as correntes que passam pelos mesmos.
Figura 4. A experiência de Ampère. Um fio exerce força sobre outro fio, quando ambos são percorridos por correntes elétricas.
Figura 6. Dois fios compridos e flexíveis são dispostos paralelamente e próximos um do outro. Quando conduzirem correntes paralelas, os fios se atraem se as correntes forem antiparalelas (caso a). No caso contrário, os fios se repelem (caso b).
Ampère entendeu que se tratava como no caso da experiência de Oersted, da interação entre o campo magnético produzido por um dos fios com a corrente elétrica que passa pelo outro.
Com a experiência de Oersted, concluímos que uma corrente elétrica passando por um condutor (o fio, no caso) gera um campo magnético. Esse campo se localiza ao redor do condutor e pode interagir com um imã.
Com a experiência de Ampére inferimos que um condutor quando percorrido por uma corrente elétrica, e situado numa região na qual existe um campo magnético, fica sujeito á ação de uma força magnética (vide fig. 6).
Figura 6. Na interação entre a corrente elétrica I que percorre um fio e o campo magnético existente no local, surge uma força F no fio. Com a inversão da posição do imã (e portanto inversão do sentido do campo magnético) a força tem o seu sentido invertido. O mesmo ocorre se invertermos o sentido da corrente.
Campos Produzidos por uma Carga Elétrica em Movimento
Como primeiro passo no entendimento dos fenômenos observados por Oersted e Ampére, consideremos a situação mais simples dentre todas: Aquela na qual observamos uma carga elétrica puntiforme em movi-mento uniforme. Se uma partícula dotada de carga q se move ao longo do eixo x com velocidade constante V0, o vetor velocidade será escrito como:
(2)
De acordo com a Teoria da Relatividade de Einstein, no limite de baixas velocidades, velocidades muito menores do que a velocidade da luz esse movimento dá lugar a dois campos potenciais:
O potencial escalar, dado por:
(3)
E o potencial vetor, dado pela expressão:
(4)
A Lei de Biot – Savart
A lei de Biot e Savart se constitui no elemento essencial para a determinação do campo magnético produzido por correntes estacionárias. De forma a apresentarmos tal lei consideraremos o caso discutido anteriormente, de uma partícula puntiforme em movimento. Um observador para o qual ela se desloca com velocidade detectará dois campos. O primeiro deles é o campo elétrico, cuja expressão é:
(5)
Consideremos o campo magnético percebido no mesmo referencial. Para o caso simples de cargas elétricas que se movimentam numa única direção tal campo é obtido tomando-se o rotacional do potencial vetor dado pela expressão (3). Nessas circunstâncias podemos escrever o campo magnético produzido, utilizando a expressão (4) , sob a forma:
(6)
O inverso do produto de constantes define uma nova constante:
(7)
A constante , denominada permeabilidade do vácuo tem o valor dado por:
A lei de Biot-Savart é uma extensão da expressão (6) para uma distribuição volumétrica de correntes. De fato, num volume infinitesimal dV', localizado em a carga ali concentrada é:
(8)
Assim, o deslocamento dessa carga infinitesimal com uma velocidade uniforme , produzirá um campo magnético infinitesimal no ponto o qual, de acordo com (6), é dado por:
(9)
Figura 7. Campo magnético gerado num ponto do plano xy por uma carga dq que se move com velocidade ao longo do eixo 0x. O vetor é ortogonal ao plano formado pelos vetores e .
Levando-se em conta a definição de densidade de corrente, obtemos que o campo infinitesimal produzido em como consequência do movimento da carga infinitesimal localizada em é dado, em termos da densidade de corrente, pela expressão:
(10)
E, portanto, o campo magnético total devido à existência de uma distribuição de correntes numa região do espaço é dado pela soma de todas as contribuições infinitesimais, dai resultando a expressão:
(11)
Donde, utilizando a expressão (7), obtemos:
(12)
A expressão para o campo pode ser escrita de uma forma muito semelhante ao da eletrostática. Escrevemos:
(13)
onde é o campo elétrico produzido por uma distribuição uniforme de cargas. Assim, em muitos casos o problema de determinar o campo magnético se reduz àquele de determinar o campo elétrico associado a uma distribuição uniforme de cargas elétricas.
Corrente elétrica percorrendo um fio muito fino
No caso de uma corrente I percorrendo um fio muito fino, efetuamos a substituição:
(14)
Onde o vetor é um vetor tangente ao fio em cada ponto, e tem o sentido da corrente. O seu módulo, , é o elemento de comprimento infinitesimal do fio.
Nessas circunstâncias segue de (14), depois de efetuada a substituição em (12), que o campo produzido por uma corrente ao longo de um fio disposto ao longo de uma curva Γ é:
(15)
Considerando-se uma curva no plano xy, os elementos da expressão (15) são representados na figura (8).
Figura 8. Os elementos da Lei de Biot-Savart no caso de um fio percorrido por uma corrente i.
No caso em que a densidade de corrente é uniforme, podemos escolher o eixo z coincidente a direção da corrente:
(16)
Força sobre um condutor quando num campo magnético
Suponhamos que um condutor AC seja colocado em uma região na qual existe um campo magnético. Se por esse condutor passar uma corrente elétrica, o campo magnético exercerá uma força sobre ele (fig. 9).
Figura 9. Força sobre um elemento infinitesimal de um fio.
Consideremos um elemento de volume do condutor. A carga contida no mesmo será dada por:
(17)
Considerando-se que tal elemento infinitesimal desloca-se com velocidade , sobre ele e de acordo com o termo da força magnética da força de Lorentz, agirá uma força infinitesimal a qual será dada por:
(18)
Utilizando a expressão (17) em (18), obtemos que a força infinitesimal agindo sobre tal elemento de volume é dada por:
(19)
A força total sobre o condutor será dada pela soma das forças infinitesimais. Escrevemos:
(20)
No caso de um fio, de acordo com a expressão (15), temos:
(21)
Podemos determinar o módulo, a direção e o sentido da força que atua no condutor. O módulo da força que atua em num elemento do fio de comprimento ∆L imerso num campo magnético de módulo é:
(22)
onde = ângulo entre o fio e o campo magnético. Quando o fio e o campo fazem entre si um ângulo = 90° a força terá intensidade F = BiL. O sentido da força pode ser determinado pela regra da mão esquerda (também conhecida como “regra de Fleming”):
Figura 10. Determinando a direção e o sentido da força sobre um fio.
O dedo indicador no sentido de e o dedo médio no sentido da corrente elétrica; assim, o sentido da força é dado pelo dedo polegar.
A LEI DE AMPÉRE – PRIMEIRA FORMULAÇÃO
A partir de uma sólida formação matemática Ampére elaborou, utilizando o formalismo matemático, a lei que rege os fenômenos observados por Oersted e por ele mesmo. Com isso estabeleceu os fundamentos para uma formulação da teoria do eletromagnetismo.
Tal lei é válida para correntes estacionárias.
A ideia básica de Ampére, é que a passagem de uma corrente leva á criação de um campo magnético. A relação entre a corrente elétrica num fio e o campo magnético gerado não é tão simples, pois envolve o conceito da circulação do campo B ao longo do fio. Em termos da circulação a relação entre a circulação do campo magnética ao longo de um caminho fechado e a corrente elétrica que passa por uma superfície imaginária que contenha esse caminho, ou seja:
Circulação do campo magnético =
onde é uma constante denominada de permeabilidade do vácuo e cujo valor, no sistema MKS é:
A formulação matemática, mais precisa da lei de Ampére é:
(23)
Assim a lei de Ampére estabelece uma relação entre um campo magnético e a corrente elétrica que o gera. Estabelece assim uma relação entre um fenômeno elétrico (cargas elétricas em movimento) e um fenômeno magnético (um campo magnético). Sugere, ademais, que a origem dos fenômenos magnéticos tem a ver com fenômenos elétricos.
Figura 11. Visão em corte (seção transversal) de um fio com fluxo da densidade de uma corrente de área A e o caminho sobre o qual se calcula a circulação do campo B.
A LEI DE AMPÉRE – SEGUNDA FORMULAÇÃO
A lei básica da magnetostática é a lei de Ampére:
(24)
A qual estabelece que cargas elétricas em movimento produzam um campo magnético. Isto por que um campo magnético é mais um resultado da existência do atributo carga elétrica. Quando em movimento elas produzem dois tipos de campos.
Onde J em (24) é o vetor densidade de corrente, implica que cargas em movimento produzem um campo magnético. O vetor densidade de corrente, de acordo com a expressão (24), é a fonte do campo magnético.
Na formulação da lei de Ampére proposta por Maxwell, temos uma formulação mais geral do que aquela envolvendo uma corrente passando num fio.
Note-se que nessa formulação, uma grandeza típica dos fenômenos elétricos (a corrente), tem uma relação direta com uma grandeza que dá origem aos fenômenos magnéticos. Esse é o aspecto da unificação da eletricidade com o magnetismo.
FORMULAÇÃO ALTERNATIVA DA LEI DE AMPÉRE
Com o intuito de derivarmos a nova formulação da lei de Ampére, fazemos uso da lei de ampére em termos de taxas de variação. A seguir, efetuamos o cálculo do fluxo através de uma superfície aberta. Obtemos
(25)
Lembrando agora, que:
(26)
O teorema de Stokes assegura que:
(27)
Consequentemente, fazendo uso do teorema de Stokes, escrevemos:
(28)
Que é uma formulação alternativa para a lei de Ampére.
Assim, se tivermos uma corrente elétrica percorrendo uma espira, ou um fio, esta corrente produzirá um campo magnético. Essa é a base da lei de Ampére.
Figura 7. A escolha do caminho é um dado essencial para utilizar a lei de Stokes. Nesse caso o caminho (em vermelho) é uma circunferência concêntrica ao fio. Assim, em cada ponto o versor tangente à curva, em vermelho, é paralelo ao campo magnético (em verde) gerado pela corrente elétrica.